A Lei Federal n. 14.230/2021 e a irretroatividade da prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa que já estavam em curso

Por Tiago Quintanilha Nogueira*

Tiago Quintanilha Nogueira. Foto: Reprodução.

Como se sabe, a Lei Federal n. 14.230/2021 realizou profundas alterações na Lei Federal n. 8.429/92 (“Lei de Improbidade Administrativa”). Uma de tais alterações diz respeito à possibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrente em tais ações, a teor do novo art. 23, § 5º, que dispõe:

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.

Com efeito, como doravante só o Ministério Público pode propor ações de improbidade administrativa (outra “inovação” da Lei Federal 14.230/2021), o Parquet tem sido provocado a opinar sobre a suposta prescrição intercorrente nas demandas que já haviam sido propostas antes de entrar em vigor a referida lei. Primeiramente, convém salientar que, em contradição com a determinação Constituinte de intolerância com a má-gestão e a corrupção, a Lei Federal n. 14.230/2021 – de constitucionalidade questionável em vários pontos – adota uma postura de indiferença com a efetivação dos direitos fundamentais e refratária a uma atuação estatal efetiva de prevenção e repressão aos atos de improbidade administrativa.

Trata-se de evidente concretização do retrocesso social e da proteção deficiente do Estado, a despeito do mandado constitucional explícito de proteção à probidade administrativa e à punição de atos ímprobos (art. 14, § 9º, c/c art. 37, § 4º, da CF/88).

De qualquer sorte, não se cogita de prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa propostas antes de a Lei Federal n. 14.230/2020 entrar em vigor, pois, ainda que admitida a constitucionalidade da malsinada alteração legislativa, é certo que ela não pode retroagir. Explica-se.

Nos termos do novo parágrafo 4º do art. 1º da Lei Federal n. 8.429/92, “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.”

Pois bem, em que pesem as disposições sancionatórias da Lei Federal n. 8.429/92, em seu contexto não há falar em “retroatividade benéfica” em favor do réu, inclusive não há qualquer ressalva a esse respeito em seu bojo.

Deveras, em nosso ordenamento jurídico a retroatividade da lei só ocorre em caso de norma penal mais benéfica, e isso por ressalva excepcional expressa no inciso XL do art. 5º da Constituição Federal, sem qualquer referência às normas sancionatórias de outra natureza.

Partindo-se da máxima de que “a lei não não contém palavras inúteis”, conclui-se que o constituinte pretendeu excluir do espectro de aplicação do princípio da retroatividade outras normas que não fossem de Direito Penal, pois, do contrário, o teria feito explicitamente.

Gize-se que a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do Direito Penal, inexistentes no Direito Administrativo sancionador, a exemplo da “liberdade”. Nesse sentido é a doutrina de Rafael Munhoz de Mello, in verbis:

“Como ensinam Carlos Enrico Paliero e Aldo Travi, é o princípio do favor libertatis que justifica a retroatividade da lei penal mais benigna, considerando-se a gravidade da pena de prisão e os efeitos que tal medida produz sobre o condenado, só superados pelos efeitos da pena de morte. No direito administrativo sancionador não há espaço para o argumento, sendo certo que a sanção administrativa não pode consistir em pena de prisão. […] Por tais fundamentos, não se pode transportar para o direito administrativo sancionador a norma penal da retroatividade da lei que extingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva.” (Temas de Direito Administrativo, vol. 17, “Princípios Constitucionais do Direito Sancionador”. Editora Malheiros, 2007. p. 153-6).

Entendimento contrário implicaria ofensa, outrossim, a diversos primados que regem nosso ordenamento jurídico, como o brocardo tempus regit actum, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da estabilização das relações jurídicas, da proporcionalidade, da boa-fé objetiva, enfim, não se podendo olvidar, ainda, que “a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito” (CF, art. 5º, XXXVI, LINDB, art. 6º), que é aquele “já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (LINDB, art. 6º, § 1º).

Destarte, não há falar em prescrição intercorrente nas demandas que já haviam sido propostas antes de entrar em vigor a referida lei.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT).

Veja a íntegra do artigo em pdf.

*Promotor de justiça no Estado do Maranhão.

Pátria se constrói com democracia para todos e equilíbrio federativo entre os Poderes

*por Manoel Murrieta

A Independência do Brasil é um dos mais importantes marcos históricos da Nação, com um precioso legado de ensinamentos. Quase 200 anos depois, a homenagem vem em um momento de maturidade, com os anos da República conquistada, mas também com serenidade, após as quase 580 mil mortes por Covid-19 no País. Diante de tudo, tenho a honra de celebrar o dia 7 de setembro com o firme sentimento de contribuir para a manutenção da democracia estabelecida e, há 26 anos como membro do Ministério Público, como uma sentinela a mais do Parquet atuante na proteção dessa virtude.

A democracia se traduz na construção de uma sociedade livre e justa para todos. É nesse sentido que, em seus estudos, o filósofo alemão Georg Willhelm Friedrich Hegel defendia o conceito de indivíduo como, antes de tudo, um cidadão, por ser membro de uma cidade — pensamento que, na atualidade, pode ser aplicada na construção e no desenvolvimento de um Estado ético, harmonioso e organizado por leis, sendo essas construídas por meio do debate e de confrontações agregadoras.

Assim atua a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entidade cinquentenária presente em todo o território nacional e que reúne mais de 16 mil promotores e procuradores de Justiça. A exemplo do órgão guardião da democracia e defensor dos direitos sociais coletivos, a Conamp e suas afiliadas têm como norte de suas ações os princípios constitucionais da soberania do povo e do respeito à separação dos Poderes republicanos: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Os representantes eleitos editam as diretrizes do fazer. Na execução, temos uma operacionalização bem orquestrada de servidores públicos dedicados na atenta aplicação dos preceitos estabelecidos. E, como operadores do Direito, promotores e procuradores de Justiça agem com rigor e critério no exercício da competência exclusiva constitucional do oferecimento da denúncia em ação penal pública. O cenário de uma harmoniosa e equilibrada convivência, compenetrada na entrega aos cidadãos brasileiros, por meio do equilíbrio federativo, de suas demandas essenciais atendidas.

Também há que se dar o lugar nessa homenagem às centenas de brasileiros que, todos os dias, lutam para engrandecer a Nação. Nesse espaço, os servidores públicos são, mais uma vez, peça essencial para a engrenagem estatal funcionar. Na pandemia, não foi diferente. Esses profissionais, de diferentes áreas e esferas, se desdobraram e muitos se colocam na linha de frente para manter serviços essenciais como a saúde, o repasse de recursos para a compra de insumos, o pagamento de auxílios, benefícios e, no Judiciário, para dar solução a conflitos desde os mais simples aos mais complexos.

Contudo, nesta data festiva, é importante ter em mente o longo trabalho que ainda nos aguarda pela frente. As incertezas econômicas que o país vive, com uma taxa de desemprego de 14,7% no primeiro semestre, ameaçam a Nação.

Segundo o IBGE, o Brasil já soma 14,8 milhões de desempregados. São 6 milhões de cidadãos ao desalento. Fomentar a geração de emprego e renda é uma preocupação urgente a convocar as autoridades de todas as esferas dos Poderes. Não há espaço para divisões nem insurgências. A solução da crise depende muito mais do esforço conjunto, a partir dessa relação harmoniosa entre os Poderes, e da multiplicidade de conhecimentos e ideias aplicadas com o mesmo objetivo.

Há que se cuidar do fortalecimento das instituições. É preciso valorizar o trabalho humano dos brasileiros e lutar para oferecer a todos educação e outros itens em busca da qualidade de vida e erradicação da pobreza. A tônica é a de valer-se desse sentimento nobre e de orgulho pátrio de Independência como um antídoto contra forças que ameacem a democracia e, com isso, demonstrar em atitudes e com a mesma maturidade de um País diverso e plural. É a soma de todos que conduzirá a, entre as nações, resplandecer o Brasil.

*artigo escrito por Manoel Murrieta, promotor de Justiça do Pará e presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp); publicado no jornal O Estado de SP.

“O DIA ESTADUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO”

Gilberto Camara França Júnior

Em 15 de maio comemora-se o Dia Estadual do Ministério Público, fruto da Lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Maranhão. O marco histórico firmado para a data corresponde à entrada em vigência da Constituição do Estado do Maranhão, promulgada em maio de 1967, na qual ficou estabelecido que o Procurador-Geral de Justiça passaria a ser o chefe do Ministério Público Estadual.

O Ministério Público Estadual tem como seu patrono o Promotor Público Celso Magalhães, que levou a julgamento pelo Tribunal do Júri Anna Rosa Vianna Ribeiro, que viria a ser a Baronesa de Grajaú. O crime, o homicídio com requintes de crueldade de uma criança escrava de nome Innocencio. Presa em 13.02.1877, foi julgada e absolvida pelo Tribunal do Júri. O Promotor Público recorreu ao Tribunal da Província, que manteve a decisão absolutória. Foi o jovem Celso Magalhães  demitido do cargo em 1878, por conta de sua atuação contra uma figura poderosa da sociedade da época, vindo a falecer em 1879, sem presenciar a futura abolição da escravatura.

Em 1988, cem anos após a Lei Áurea, a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público garantias e prerrogativas que Celso Magalhães não tinha enquanto Promotor Público. O legado deixado é que honra e coragem são virtudes atemporais para o bom exercício das funções do MP. Mas também ficou para todos a lição de que sem instrumentos legais e garantias para o exercício de sua função, a tarefa de promover a justiça fica muito mais difícil.

Enfrentar os poderosos, mesmo sendo uma estrutura dentro do poder estatal, fez do Ministério Público a “bola da vez”. Em 2013, a famigerada PEC 37 queria retirar o poder investigatório e agora, em 2021, mais uma vez e por outros meios, querem fazer o mesmo. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de novo Código de Processo Penal (PL 8045/2010), do jeito que se apresenta, é um convite à institucionalização da impunidade no país, dificultando a apuração dos crimes, o processamento dos criminosos em geral e criando, por exemplo, uma série de entraves que dificultam a condenação no Tribunal do Júri. Esse projeto está prestes a ser votado no plenário e, caso aprovado do jeito que está, significaria o enfraquecimento das investigações e o consequente empoderamento dos autores de crimes.

Não menos grave é a PEC 5/2021, apresentada pelo Deputado Federal Paulo Teixeira (PT/SP) e que tramita com surpreendente velocidade em tempos de pandemia. Nela, pretende-se alterar a composição do Conselho Nacional do MP, permitindo que o Corregedor Nacional possa ser alguém de fora dos quadros do Ministério Público. Ou seja, uma pessoa que não conhece a dinâmica interna de funcionamento da instituição teria o poder de abrir procedimentos disciplinares contra qualquer Promotor ou Procurador no país. Seria a única instituição da República Brasileira com um Corregedor de fora de seus quadros.

Neste dia Estadual do MP, para além da data comemorativa, é preciso alertar a sociedade sobre todo esse contexto, para que amanhã este Brasil não se transforme em uma república de bananas.

Parabéns a todos os promotores e procuradores de justiça e a todas promotoras e procuradoras de justiça pelo Dia Estadual do Ministério Público

*Promotor de Justiça do Ministério Público do Maranhão

Presidente da AMPEM – Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão

Especialista em Ciências Penais pela Universidade Federal de Santa Catarina

Vírus da Ilegalidade

Lino Raposo Moreira, PhD, Economista
Da Academia Maranhense de Letras.

Lino Raposo Moreira. Foto: Academia Maranhense de Letras.

Um dos tormentos perenes dos habitantes desta cidade de São Luís é a poluição sonora. Existe no Maranhão uma Lei do Silêncio, que trata, entre diversos outros itens, do nível de emissão de sons em todo o Estado. No entanto, na prática, seus cidadãos têm vivido, faz muitos anos, sob a ditadura dessa infração grave da legislação ambiental, com todos os males físicos e mentais daí advindos, conforme mostram centenas de estudos, sem as autoridades (ir)responsáveis pelo meio ambiente cumprirem seu dever.

Quais os motivos de algumas autoridades não atuarem como deveriam? O principal é a visão e os interesses políticos de curtíssimos prazos dos administradores. Omitindo-se, grande parte deles pensa ganhar mais votos do que ganharia reprimindo o infrator. Alguns não querem se incompatibilizar com algum “influencer não digital”, talvez vereador ou deputado; outros não desejam desagradar nenhum “influencer político” de araque, e assim por diante. Isso faz parte da cultura do mal afamado jeitinho brasileiro.

Nem tudo, porém, pertence ao mundo do sem jeito. Recentemente li uma nota da AMPEM – Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão, de apoio ao promotor de Justiça Cláudio Guimarães. Tal posicionamento nos dá esperança de eliminação do caos ambiental dominante por aqui.

Qual a razão desse pronunciamento da AMPEM? O promotor Cláudio Guimarães, coordenador da Operação Harpócrates (o deus do silêncio), integrada, ainda, pelas polícias Civil e Militar; Corpo de Bombeiros; Secretaria de Trânsito e Transporte vem cumprindo seu dever de fiscalizar bares e restaurantes e exigir obediência ao ordenamento legal. Só assim a ocorrência de infrações à Lei do Silêncio será evitada, como também o será a de aglomerações e outros comportamentos contrários ao esforço de controle da pandemia da covid-19, por parte de frequentadores desses estabelecimentos, com a conivência de seus proprietários. Como sabe, a covid é doença letal e já causou a morte de 250.000 pessoas no Brasil aproximadamente.

Quando a firmeza da operação foi percebida, levantou-se campanha contra Cláudio, de parte de alguns políticos e de proprietários de bares e restaurantes, interessados tão só na própria reeleição ou em lucros, à custa da vida alheia, mas desinteressados pelo direito constitucional de os cidadãos viverem em bem-estar com sua família. Nessas horas, mostra o histórico desses casos, apelos são feitos pelos violadores da lei em favor de um acordo – que acordo não seria –, pelo qual as autoridades fechariam os olhos a práticas ilegais, em nome da criação ou preservação de empregos. Ora, por esse raciocínio, também se poderia ser compreensivo com o mercado de drogas, pois o combate contra seus barões também leva ao desemprego muitos soldados do tráfico. Não se pode nem se deve negociar com quem age ilegalmente.

As ameaças contra a missão do promotor Cláudio Guimarães são parte de uma cultura acostumada a considerar normal a existência de leis que não pegam e não são aplicadas. Estas servem, assim, apenas ao fim de criação de propaganda enganosa, como na afirmação falaciosa de termos “uma das melhores legislações ambientais do mundo”. Não adianta tê-la, se não é obedecida.

Já passamos da hora da aplicação efetiva das leis aqui. O apoio ao bom trabalho feito pela Operação Harpócrates não é favor, é obrigação. Não respeitar as leis é como espalhar o vírus da ilegalidade nas próprias entranhas da sociedade.

50 anos da AMPEM: Memória e História

Artigo por Luiz Gonzaga Martins Coêlho, Promotor de Justiça titular da 40ª Promotoria especializada da Infância e Juventude de São Luís, ex- PGJ e ex- Presidente da AMPEM.

No alvorecer de um ano novo, mais precisamente hoje 04 de janeiro, nossa entidade de classe do Ministério Público maranhense completa 50 anos de existência. Esta data tem um simbolismo muito forte, pois representa décadas de lutas, muitos sonhos e, sobretudo, um grande trabalho que redundou no que somos atualmente : uma entidade forte que goza de muito respeito e confiança no sentir da sociedade.

Memória e história são lugares que coexistem e não se pode falar de história se não houver memória, lembrança, reminiscência e recordação. Em se tratando de nossa luta classista, há muitas histórias a relatar: intensas e árduas pelejas para recordar, pois o novo se constrói com as lições vividas do passado que nos permite projetar o futuro. Se hoje temos o possível e somos uma entidade pujante e respeitada é porque alguém, antes de nós, ousou sonhar com o impossível. Passado, presente e futuro se unem na lembrança inesquecível do que foi a data de 04 de janeiro de 1971. Esse foi o nosso ponto de partida, onde pelo idealismo e obstinação dos colegas visionários, recém-chegados de Teresópolis-RJ, que participaram do III Congresso da Associação Fluminense do Ministério Público foi disseminada a ideia do associativismo. Com o pioneirismo de tantos outros valorosos colegas, na sala do Júri do Tribunal de Justiça em São Luís, foi empossada uma diretoria provisória e eleita uma comissão organizadora para redigir o primeiro estatuto e, assim, ser fundada a AMPEM para ser instrumento de congraçamento e conscientização da classe, além de aprimoramento e valorização de seus associados. Essa data representa muitas décadas de luta e sofrimentos, muitos sonhos forjados pela descoberta do inovador que redundaram em , greves e lutas por melhores condições de trabalho e dignidade vencimental.

À frente da AMPEM, exatamente no ano de 2005, quando ela completou 35 anos de fundação, tivemos o privilégio de idealizar e realizar a concretização de um sonho. Instituímos, mediante Resolução nº 001/2005, o Programa AMPEM MEMÓRIA, espaço físico moderno, localizado na nossa sede social que preserva historicamente a trajetória de nossa entidade de classe e resgata parte da sua rica memória. Um espaço onde passado e presente se encontram. Desse modo, o velho se une ao novo construindo uma ponte, edificando o grande monumento, que é a AMPEM.

Ao meu sentir, a mais importante ação por nós realizada como Presidente da AMPEM foi a criação do espaço de MEMÓRIA com a edição comemorativa do livro e de um vídeo, documentos importantíssimos que relatam toda a sua construção e evolução, resgatando ideais e ações de homens e mulheres do Parquet maranhense, agentes de momentos históricos geradores do fortalecimento da classe ministerial e inspiradores de novas conquistas a serem abraçadas pelas próximas gerações. Neste documentário histórico dedicado ao resgate da memória vale lembrar as palavras de seu primeiro Presidente, Dr. José Bento Neves que por ocasião de sua posse asseverou em memorável e sempre atualíssimo discurso publicado em jornal da época, datado de 05 de janeiro de 1971: “Promotor de Justiça é a Comunidade em Ação empenhada na busca da justiça.”
Nestas reminiscências não poderíamos deixar de registrar e enaltecer o magnifico trabalho realizado por todas as administrações, que propiciaram as condições básicas para atingirmos o atual estágio que alcançamos hoje de sermos uma das mais respeitáveis entidades classistas. Cada geração que por lá passou colocou um tijolo edificante na construção de nossa gloriosa AMPEM. Enormes e marcantes lutas ocorreram e ainda são vivenciadas. A defesa intransigente da classe e de seus direitos e prerrogativas é um desafio diário dos representantes classistas. Se antes, nos primeiros momentos, lutávamos pela isonomia com a magistratura, por melhores salários e por uma lei orgânica que criasse uma carreira com autonomia e independência, hoje nossos desafios são outros, talvez até maiores, pois lutamos contra uma infinidade de proposições legislativas e judiciais que querem suprimir garantias constitucionais e institucionais, fulminando as árduas conquistas alcançadas.

Na trajetória da vida humana, 50 anos pode parecer algo pouco significativo, mas na militância de uma entidade de classe, 5 décadas significam muitas lutas e conquistas, fruto do idealismo e abnegação de cada associado. Foi graças a diversas gerações de Promotores e Promotoras, Procuradores e Procuradoras, que com perseverança, conseguimos alcançar o respeito e reconhecimento da sociedade.

Que venham outros 50 anos e que possamos escrever novos e belos capítulos da história da Associação do Ministério Público Maranhense, vislumbrando o congraçamento da classe ministerial e a defesa intransigente da justiça e dos interesses sociais e indisponíveis.
Salve a AMPEM! Parabéns pelo seu jubileu de ouro. Parabéns aos seus associados, Operários da Cidadania, pelo belíssimo e rico passado de glórias e conquistas.

Aproveito o ensejo para desejar a todos um Ano Novo Feliz, com muitas bençãos de Deus!

Primeiras observações sobre a alteração promovida no art. 387 do Código de Processo Penal

08/03  
 
A recente alteração introduzida pela Lei n° 12.736/2012, incluiu o § 2° ao art. 387 do Código de Processo Penal, cuja redação é a seguinte:
 
“O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.  
 
A partir dessa inovação legislativa, cumpre ao juiz, portanto, ao preferir a sentença penal condenatória, abater, da pena imposta ao réu, o tempo no qual ele permaneceu preso cautelarmente, em caráter provisório, para fins processuais. 
 
Trata-se, pois, do instituto da detração penal, previsto no art. 42 do Código Penal, verbis:
 
          “Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.
 
             A inovação legislativa é anunciada em um “pacote” elaborado pelo Ministério da Justiça, no âmbito do “Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional”, a fim de agilizar a execução penal. 
 
            Nisto consiste sua novidade. Antes, a competência exclusiva para aplicação da detração penal era do Juízo da Execução, segundo o art. 66, inciso III, aliena “c” da Lei n° 7.210/84 (LEP). Ou seja: o réu era condenado e somente depois, em face de execução penal, caberia ao juiz descontar, de sua pena, o período no qual ficou preso antes de proferida a sentença penal condenatória.
 
            A partir do novo dispositivo, cumpre ao próprio juiz da condenação, no momento em que dosar a pena, já abater esse período de prisão processual. É dizer: há uma antecipação de um juízo de valor cuja formulação, antes, era exclusiva da execução penal e que, agora, é elaborada pelo juízo de mérito. Com isso, argumentam os idealizadores da legislação novel ao justificarem o projeto de lei, a prestação jurisdicional se torna mais célere, evitando “sofrimento desnecessário e injusto à pessoa presa […]   além do judicialmente estabelecido”, minorando, ademais, “o gasto público nas unidades prisionais com o encarceramento desnecessário”.
 
            A despeito da procedência dos argumentos que justificaram a inovação legislativa, há que se apontar, desde logo, certa perplexidade que sua aplicação prática fatalmente acarretará.
 
            Pensemos no seguinte exemplo: “A” e “B”, agindo em concurso de agentes, cometem determinado delito. Ambos primários e por preencherem requisitos de ordem subjetiva, são condenados à pena mínima de nove anos de reclusão, obrigados, bem por isso, a iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado, na dicção do art. 33, § 2°, alínea “a” do Código Penal. Ocorre que “A” permaneceu preso em flagrante durante um ano, enquanto que “B” respondeu ao processo em liberdade.
 
            Ao aplicar a detração penal na sentença penal condenatória, nos termos da nova redação do art. 387 do CPP, cumpriria ao juiz abater da pena de “A” o período no qual ficou preso processualmente, resultando em uma pena definitiva de oito anos de reclusão, enquanto que “B”, por ter respondido solto ao processo, receberia uma pena de nove anos de reclusão.
 
            Com isso, “A” ingressaria diretamente no regime semi-aberto, já que sua pena não ultrapassou oito anos (art. 33, § 2°, alínea “b” do Código Penal). Já “B”, porque não recebeu o abatimento de sua pena, obrigatoriamente descontaria sua pena em regime inicial fechado.
 
            A situação perece de evidente injustiça.
 
            Afinal, ambos os réus perpetraram o mesmo delito e reúnem condições subjetivas idênticas.  Apesar disso, “A” já adentraria o regime semi-aberto, enquanto que “B” teria que cumprir pelo menos 1/6 de sua pena em regime fechado para, a partir daí, progredir para o regime menos rigoroso, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal.
 
Nem se argumente com a possibilidade do juiz aplicar uma pena superior ao réu “A” (de dez anos, por exemplo), e posteriormente, reduzi-la para nove anos em virtude da detração,  decorrente do período no qual ele ficou preso, com isso igualando a situação de ambos os réus. Em nosso exemplo – insiste-se – ambos os réus eram primários e cometeram o delito em concurso, nada justificando o aumento da reprimenda de apenas um deles com o único objetivo de impedi-lo de ingressar diretamente no regime semi-aberto.
 
A solução que nos figura mais adequada consiste na imposição do regime de pena antes de se proceder ao desconto oriundo da detração penal. De sorte que, ainda com base em nosso exemplo inicial, o juiz aplicaria a pena de nove anos para ambos os réus, impondo a ambos, ainda, o mesmo regime inicial para cumprimento da pena, isto é, o regime fechado.  Ao depois reduziria a pena de “A” para oito anos e manteria a reprimenda de “B” em nove anos.
 
Por mais que a ratio legis tenha pretendido agilizar o cumprimento da pena, propiciando ao juízo da condenação aplicar a detração penal, tal objetivo não pode propiciar tamanha enormidade, permitindo que um réu ingresse de plano no regime semi-aberto e outro aguarde o tempo para progressão, conquanto ambos reúnam exatamente as mesmas condições objetivas e subjetivas.
 
Demais disso, a determinação do regime inicial para cumprimento da reprimenda, leva em conta, sob o aspecto objetivo, a quantidade de pena imposta. Ou seja: para crimes graves, com pena superior a oito anos, o regime é necessariamente o fechado. Já para outros menos graves, é cabível o regime semi-aberto ou aberto, dependendo do caso concreto. A mera redução de alguns dias na pena final não deve ter o condão de implicar tão decisivamente no regime a ser imposto. Esse é o aspecto que, sob nossa compreensão, deve prevalecer. Em outras palavras: para réus que se encontrem na mesma situação, o regime deve ser o mesmo, sendo irrelevante o tempo – maior ou menor – que um deles tenha permanecido preso antes da sentença condenatória. O tempo de prisão processual, com efeito, deve ser considerado mais adiante, quando da análise da possibilidade de progressão para o regime menos gravoso. E não no momento em que proferida a condenação, ensejando uma solução tão dispare para hipóteses idênticas. 

Por: Ronaldo Batista Pinto
Ronaldo Batista Pinto é promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela UNESP e Professor Universitário.
 
 
 

Da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de Revisão Criminal

08/03
Por: Ronaldo Batista Pinto 
 
É discutível a legitimidade do promotor de justiça para propor a  revisão criminal, dividindo-se a doutrina a respeito dessa questão (1). Os principais argumentos no sentido de negar ao parquet a legitimidade ativa para ajuizar o pedido são que, primeiro, a lei não prevê tal possibilidade, conforme se verifica do minucioso rol trazido pelo art. 623 do CPP. E, segundo, que não teria cabimento o Ministério Público ocupar o pólo ativo da relação processual, na qualidade de autor do pedido revisional e, ao mesmo tempo, compor o pólo passivo desta mesma relação, eis que, nas revisões criminais, é o parquet a parte passiva na demanda (2).
 
            Pensamos diferentemente. O Ministério Público, conforme tantas vezes alertado, de há muito deixou de atuar no processo penal como um verdadeiro acusador profissional, buscando, a qualquer custo, uma condenação, pouco se importando com a forma pela qual obtida. Ao revés, encarna hoje o interesse primordial do Estado que consiste na obtenção de uma sentença justa, seja ela absolutória ou condenatória. Por ser uma parte diferenciada (ou parte imparcial, para se utilizar de força de expressão), é que se admite, de forma hoje incontestável, que, por exemplo, recorra em favor do réu, que peça antes sua absolvição ou que impetre habeas corpus em prol do agente. Assim, agindo como fiscal da correta aplicação da lei, naquilo que se convencionou chamar de custos legis, não há como se negar, ao Ministério Público, a titularidade da revisão criminal.
 
          Não aproveita se afirmar que o art. 623 do CPP não prevê tal possibilidade. É que o código, quando trata de recursos, em mais de uma passagem elenca um rol apenas exemplificativo, sem inibir que outras pessoas, além daquelas apontadas no texto legal, possam recorrer. Assim, v.g., ao tratar dos legitimados para a apelação, no art. 577, o código não mencionou a figura do curador e, apesar disso, jamais lhe foi negada a legitimidade ativa para interpor o recurso (3). De outro lado, ao tratar da legitimidade do assistente de acusação, no art. 271, o código não alude à possibilidade dele opor embargos de declaração da sentença ou do acórdão e, apesar disso, alguém negaria essa faculdade ? Não se ignora, é verdade, o tranqüilo entendimento no sentido de que a revisão criminal não possui a natureza jurídica de recurso. Todavia, para fins de argumentação, parece válida a analogia sugerida entre legitimidade para recorrer e legitimidade para propositura da revisão.
 
            Outro argumento a ser lembrado é que o CPP em vigor é datado de 1941, quando a posição do Ministério Público era totalmente diversa, não tendo assumido, ainda, o status de defensor da sociedade bem delineado pela Constituição de 1988. Não é de se estranhar, assim, que o legislador do processo penal não apontasse o parquet como um dos legitimados para propor a revisão criminal.
 
            Parece não refutar esse entendimento o argumento contrário consistente no fato de que o Ministério Público jamais poderia compor os dois pólos da revisão criminal: como réu, representando o Estado e, como autor, propondo a revisão criminal (4). Ora, quando oferta a denúncia e, ao final do processo, pede a absolvição, também não ocorreria o mesmo antagonismo ? Ou, quando apesar de propor a inicial, recorre em favor do réu condenado, também não estaria o Estado presente nos dois pólos do pedido, como recorrente e recorrido ? Apesar disso, de há muito se confere ao Ministério Público a possibilidade de pedir absolvição ou recorrer em favor do réu. Ou, ainda, quando impetra habeas corpus contra uma sentença transitada em julgado, não estaria o Estado ocupando ambos os pólos da demanda ? Não vislumbramos, assim, qualquer impedimento que possa ser suscitado sob esse fundamento. A propósito, excetuando-se o nomem juris e os pressupostos que são típicos de cada pedido, não há qualquer diferença, quanto à legitimidade ativa, entre se impetrar um habeas corpus contra sentença transitada em julgado ou se propor uma revisão criminal na mesma situação.
 
Aliás, não há nada de inédito no fato do Estado, de forma simultânea, ser encontrado em ambos os pólos da relação processual. Quando, através da Procuradoria do Estado (ou Defensoria Pública), se ingressa, em favor da pessoa pobre, com uma ação de indenização contra o Estado, um outro setor da mesma Procuradoria (ou Defensoria), será incumbido da defesa. Quando o Promotor de Justiça recorre pleiteando a absolvição do réu e a Procuradoria-Geral emite parecer contrário à apelação, é o Estado, através da mesma Instituição (Ministério Público), ofertando posicionamentos diversos para o mesmo caso. O Estado é um só. Por razões de boa administração é que ele se divide. Caberá a um outro órgão do Estado, o Poder Judiciário (“Estado-Juiz”), dar a palavra final. De qualquer sorte,  mesmo que se admitisse essa incompatibilidade, não se poderia negar ao Ministério Público, na ação penal privada, a legitimidade para propor revisão criminal em favor do querelado, pois, nessa hipótese, não foi o parquet quem movimentou o processo inicial, mas sim o querelante, desaparecendo, assim, a alegada incongruência entre uma e outra posição.
 
            Em suma, tomado o Ministério Público de forma mais abrangente, despido da condição de mero acusador, não há como se negar à Instituição a possibilidade de, na busca da correta aplicação da justiça, manejar pedido de revisão criminal.
 
 
Notas:
     1. pela legitimidade do MP: Ada, Magalhães e Scarance, Recursos no processo penal. p. 311; Tourinho Filho, Processo penal, vol. 4, p. 605; Demercian & Maluly, Curso de processo penal, p. 575; Sérgio de Oliveira Médici, Revisão criminal, p. 155. Negando essa possibilidade: Julio Fabbrini Mirabete, Processo penal, p. 733; Guilherme de Souza Nucci, Manual de processo e execução penal, p. 852. 
 
2. na jurisprudência, não reconhecendo a legitimidade do MP: RT      795/524 (STF), 694/375.
 
      3. claro que o curador aqui mencionado não é mais aquele nomeado em favor do réu menor de 21 anos, ante a revogação do art. 194 do CPP pela Lei nº 10.792/03. Mas, por exemplo, o curador indicado em prol do réu que apresente problema mental, nos termos do art. 151 do CPP.
 
       4. mesmo a posição do Ministério Público como parte passiva da relação processual é discutida na doutrina. No sentido afirmativo, Ada, Magalhães e Scarance, ob. cit. , p. 308. Em sentido contrário, isto é, negando ao parquet a qualidade de parte, Sérgio de Oliveira Médici, ob. cit., p. 311.
 
 
Ronaldo Batista Pinto é promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela UNESP e Professor Universitário. 

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